terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Apêndices articulados

"Os insetos possuem uma característica que os diferencia de outros animais... o de mudar de exoesqueleto de quitina, num processo chamado ecdise, ou muda, para poder crescer em volume corporal. Na verdade os artrópodes, dentre todos os filos, que o fazem. Soltam aquela "casca" já endurecida pelo tempo pela própria pressão interna a ela do novo volume do corpo do animal. Suas partes moles continuamente crescem, mas podem sofrer um retardo aparente dessa nova dimensão justamente por estarem dentro de um compartimento menor que seu conteúdo, deixando-as apertadas.

Ao atingir o limite de pressão, a ecdise se inicia com o rompimento da ecsúvia(o próprio exoesqueleto), geralmente na parte dorsal. Às vezes tal pressão é tamanha que nota-se o rompimento em mais do que uma única fenda. Desta forma, o ser espreita-se em meio à abertura espiando o mundo aqui fora com seu corpo crescido, mais vistoso, nas melhores condições de aumento, corajosamente desbravando o desafio de encarar o mesmo mundo antigo de forma diferente, mas desta vez com um corpo vulnerável. Suscetível ao mundo, por ter recentemente se libertado do modelo protetor e rijo, que o abrigava mas também impedia o crescer, porta agora seu novíssimo exoesqueleto maleável, como a pele de um bebê que ainda tem muito por esticar. Conhece os novos perigos e adapta-se às novas afrontas de forma que a circunstância define o modo de viver e a novidade ensina novos comportamentos.
O ser cresce. Por fora em tamanho, por dentro em experiência. Aprende, aumenta, melhora, vive.

Com o tempo, as necessidades vão mudando. Não há mais um esqueleto externo tão frágil, pois o que era pele nova se endureceu e protege mais, contra qualquer coisa menos ofensiva. Esse enrijecimento novamente protege o ser, mas agora em nova dimensão. De antes para cá, o ser é outro, aumentado, e com novo repertório de experiências. O processo de modelagem, em que um erro poderia significar a morte, também deu forma e solidez ao envoltório do ser, que agora o prende a um novo limite de tamanho. De certa forma cômodo pela segurança da situação , de certa forma apertado pela nova necessidade de expansão, começa a se sentir velho em um modelo que fora novo. Entedia-se com o costume do tamanho limitado de sua nova casa. Chateia-se com as mesmas circunstâncias repetitivas e ciclos diários. Sente que uma mudança poderia ser bom, e com tal novo tamanho já se apertando novamente em sua ecsúvia, reinicia o processo de mudança.

Assim seguem até seus últimos dias, sempre buscando novidades no mesmo processo monótono de ecdises.



Acho que no final, em termos de processos, de funções, de experiências, aprendizados, comportamentos, crescimentos, os nomes: ecdise, artrópodes, ecsúvia, etc... - são realmente importantes para diferenciar os filos...

...mas só os nomes o fazem!"

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

O pouso

Hoje, na hora de tomar banho, pela segunda vez no mês encontrei uma mariposa dentro do box, depois de fechar a porta e já ter ligado a água quente. Como de costume com pequenos insetos, comecei a tomar providências para removê-la de lá sem que sofresse injúrias, nem ao menos com a água-de-sabonete que já caía ao chão. Expulsei-a ao seco e acabei o banho. Ao término, me vi de toalha ao espelho, procurando pela asa-cinzenta, que não mais estava por encontrar. Após alguns minutos de imaginação do que poderia ter dado aquele sumiço mágico no pequenino ser, olhando para todas as partes do banheiro, encontrei-a furtivamente quieta por debaixo do pedal da lixeira. Com uma sacola transparente removi-a à janela e a libertei.

E eu, voei com ela?

terça-feira, 21 de julho de 2009

Cadarços

Na vida que segue andando sem parar
Andando sem parar por entre as ruas
Sem parar por entre as ruas vazias
Por entre as ruas vazias da vida

Dos pés que dão o próximo passo
O próximo passo que pula os buracos
Pular dos buracos que espalha a poça
Espalhar da poça que molha os pés

A noite que escurece o azul do céu
O escurecer que muda as sombras
Mudar das sombras andando pelas ruas
Escorrer das sombras que faz a noite

Das pernas que levam os braços
Levar dos braços que cuidam do corpo
Cuidado do corpo para continuar amarrado
Amarrado para levar pelas pernas

Em laço de nó atado um dia aprendi a calçar
Um calçado que foi de presente dado
Como o laço aprendido em lição
Para com eles a algum lugar chegar




terça-feira, 7 de julho de 2009

Colheita

Como pode o céu o campo tocar?
Em sombras de nuvens alheias ao enfado
Nem ao menos ao coadunado do anil chegar
Espalhado e vivo, porém inanimado.

Ao ar desanima em não conseguir saltar
E morros que se flecham, quebram o cimo
Quando de distante ao alvo, pretendem delinear
Um entre, que no fim, se morde e morre em desatino

Por isso que olho e sinto que, do lado de lá
Abaixo do vento pelas planícies corredio
Há que saber que da margem de cá
Não há intento chuvoso ou sombrio

Das alturas não consegue a planta me atingir
Ou do chão esforço pouco da semente vejo
Irrigado por orvalho meu, não quis à muda omitir
Ou negar reluzente alcance de teu desejo.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Sonhos

O que querem dizer? O que são?




Será que são pistas deixadas pela noite, para que cheguemos novamente ao sol?
Nos enfiamos debaixo do lençol e logo nos perdemos em meio à cama, que não precisa ser tão grande, procurando de uma certa forma a saída de lá. Mesmo que o sonho seja tudo o que sempre se quis, nos agarramos à realidade do dia, cravando ao máximo as unhas em desespero para o que estamos acostumados a chamar de vida. Mas logo, bem logo, sabemos que vamos acordar e voltar à essa continuação que estamos agora. E com isso a noite nos guia ao passo subsequente, ao mesmo estado do antes-de-dormir, ao próximo dia. Como um círculo de metades dia/noite.
Será mesmo só uma transição? Sem significado? Então porque está lá? Porque ocorre?

Talvez seja magia, que nos leva da escuridão à luz em segundos! Ou ao contrário, se for pesadelo!
Isso! Então não é só uma passagem, é uma forma de nos resgatarmos do desgaste do nosso dia, tranquilizando-nos dos problemas e preocupações rotineiras e dando asas à criatividade, à imaginação, ao alcance ao irreal. Podemos fazer coisas que dificilmente conseguiríamos, dentro das possibilidades do estado acordado, e raramente teríamos diante da própria escolha. Assim conseguimos mais ânimo para enfrentar novas situações e outras que se repetem. Como uma renovação do estado de equilíbrio de nós mesmos. Já reparou como ficamos diferentes sem o sonho? É, deve ser algum tipo de magia para controlar os excessos do dia... como um pesadelo que nos lembra que a vida exige um equilíbrio, nos tirando da excitação pura da felicidade quando menos esperamos e puxando o pé de volta ao chão.
Mas um neutralizador de excessos... só isso? Porque às vezes então, temos aquele sonho tão real sem as produções da nossa fantasia, sem coisas malucas? Será somente para nos equalizar?

Quem sabe não é aquela nossa vida e esse aqui o nosso sonho?
Se fosse assim, viveríamos em um mundo colorido/sem cor, com gente/coisas, que falam/fazem todas as possibilidades. E sim, possibilidades gerais, sem restrições da matéria, dos entes, situações, contextos, sons, sensações... Seria diferente, sem dúvida, mas aí teríamos o mesmo valor de bom/ruim? Olharíamos para o lado de cá com que expectativas? Pensaríamos talvez que isso aqui é como quando pensamos em uma situação hipotética, cheia de regrinhas do que pode e do que não pode, levados por paradigmas sociais e repressões próprias, sem necessariamente um objetivo que vá fazer diferença... como um jogo, no qual o objetivo é correr até o campo inimigo e pegar a bandeirinha... ninguém quer perder, claro, e vai se achar não-esperto se for pego por distração. Existem regras para atingir o objetivo, sem as quais ficaria tudo muito mais fácil, e depois que se ganha, é pensado: Ganhei! (e agora? o que que mudou?) Talvez pensássemos que não faria sentido algum "ganhar" porque afinal, o tempo não existe, necessariamente, lá.
O lado de cá ficaria como uma brincadeira, enquanto que para nós, do agora, o lado de lá é uma coisa realmente muito ampla, tão ampla que foge da nossa capacidade de entender, compreender, classificar, rotular, limitar, enxergar.
Mas se o que vivemos aqui e agora é um sonho, porque não podemos saber? Porque nossas realidades se fundem dessa forma, tão desconhecida?

Acho que os sonhos são misturas de todas essas coisas. Não importa qual é a verdade ou qual está em função de qual. Ambas existem e são mágicas, ligando uma à outra e trazendo o significado da complementação. Se fecham uma à outra como se fossem uma esfera, e não um círculo, porque em duas dimensões, só se percorre para um lado ou para o outro, enquanto que nessas duas coisas, pode-se andar pra qualquer direção e chegará ao outro, inevitavelmente. E também sonhamos partes do dia como partes do dia, ao invés de transformá-las em sonhos e fazer fantasias. Assim como lembramos do sonho durante o dia e sabemos que às vezes são o que foram enquanto dormíamos, sem essa obrigação de precisar mudar alguma coisa aqui.

O sentir nos traz muitas razões e o pensar é mesmo fantástico!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O despertar



Era jovem, vigoroso e tranquilo. E viajava muito pelas estradas solitárias que a vida lhe trazia. Às vezes encontrava pequenas vilas onde comerciantes se reuniam e faziam de um pobre grupo de moradores, com suas casas precárias, em paredes sujas e mal-acabadas, um pouco menos miseráveis e tristes.

Era uma tarde de sol brando, daquelas em que os olhos parecem embaçados, com cores vivas e pequenos insetos que ao longe completavam os campos de trigo dourado, após um leve chuvisco de alívio ao abafo quente de alguém que por muito já andara. Ao desvirar a cabeça de tal cena, observou uma cidadela à frente da trilha em campo aberto, e imediatamente ao lado uma daquelas reuniões de mercadores, organizados em um vilarejo. Aproximando-se como que por impulso próprio dos pés, suas pernas o guiaram diante do pseudo-portal, feito de uma parede outrora vertical e um tronco de árvore larga que crescera à sombra da cidadela.

Ao entrar, viu todo tipo de produtos imagináveis e alguns suspeitos de serem possíveis. Peles de raposa-vermelha, vasos de cerâmica, peixes, flores, sementes, garrafas, tecidos coloridos, temperos olorosos,... conhecia muito de todas aquelas coisas. Todos ali pareciam pertencer àquele lugar, como se tivessem brotado daquele chão. O lugar tinha um cheiro predominante de terra molhada, mas morno ao mesmo tempo. Uns garotos correndo com pedras na mão, um velho de cabelos compridos grisalhos com feições de ancião, mulheres com potes de água na cabeça conversando. Vestimentas tristonhas e gente pouco colorida, em contraste com as mercadorias de aparência e essência viva. O caminho se estendia por ruelas sinuosas que não davam o privilégio da pré-visão, e davam a sensação de que acabariam em um beco-sem-saída assim que houvesse a próxima curva, o que se constatava falso por outro corredor.

Subitamente, um corredor mais largo o surpreendeu, e alcançara o lugar onde os maiores vendedores de flores se reuniam pela rua ser mais larga, e por ser possível deixar as carriolas de mão de flores às laterais enquanto os transeuntes perambulavam neste novo corredor cercado de flores das mais variadas cores, tamanhos, cheiros, utilidades.

Neste instante que percebeu que ali o sol invadia, justamente por o corredor ser mais largo, e que haviam cabelos dourados brilhando naquele exato ângulo entre seus olhos e o sol. Ao passar, não conseguiu desviar os olhos atentos àquela sensação quase que transpirante de entusiasmo surpreendente e apressada. Só conseguiu perceber que havia o volume de outras pessoas ao redor daquela banqueta onde aquele rosto tão delicado, de perfil tão doce repousava. Ela estava de olhos fechados, leve. Parecia cansada, mas tinha um ar sereno, diferente. As pessoas ao redor deram sutis dicas com seus incertos volumes, que eram familiares próximos, como a mãe e talvez avó e uma tia-avó. Estas pareciam, ao canto dos olhos, conversar entre elas. Aquela dos brilhos do sol estava com seu queixo suavemente apoiado sobre um dos braços, que estava, por sua vez, sobre a mesa. Olhos fechados, como se estivessem para se abrir ao pouso de uma borboleta, mas que não se abriam nem por tanta farra dos que passavam.

Quando não mais alcançava aquela imagem, resolveu voltar-se inteiramente a saber algo sobre ela. Arrumou um bom pretexto para retornar por onde viera e assim o fez. Ao finalmente saciar aos olhos com aquela mesma imagem, sentiu algo inesperado, como se percebesse ter sido notado, mesmo que os olhos permanecessem ainda fechados. Notou que não mais seus pés sentiam o peso do corpo, como se não tocasse o chão. Suas forças pareciam ter sido juntadas com a de mil milhões de gigantes das colinas e voltou a sentir aquele morno inquieto dentro de todos os ossos.

Lembrou daquele enigma que não resolvera, que o fez desistir de tudo o que acreditara outrora, e simplesmente soube a solução. Voltou a crer nas ações e nas palavras dos sábios, e assim sentiu aquele reequilíbrio interno, aquela paz. Continuou olhando, e dessa vez teve a certeza de que não queria acordar a donzela, que isso se deveria acontecer se ela o fizesse crer que a ele cabia a unicidade de despertá-la. E isso ainda enquanto dormia, como que por um encanto de Orfeu, inquebrável por qualquer magia.

Prometeu a si mesmo que por ali passaria novamente, sem nem ao menos desconfiar da razão da promessa, mas com uma confiança sólida nessa sensação. E assim o fez.

Voltou ao portal da rua, abriu as até agora ocultas asas, como se estivessem doloridas por estarem sempre retraídas e escondidas sob as vestes, ajoelhou-se cabisbaixo de um sentimento esclarecedor e derramou uma lágrima vermelha ao solo.

Neste exato local onde caiu a gota, em outra estação, nasceu uma flor.



-Conto 02 Do livro "O Contador de Histórias"

sábado, 13 de junho de 2009

Conjunto nulo

Dias que não vivi
Doídos sinto ao leito
Textos que não escrevi
Encanto feito desfeito

Palavras que não ouvi
Saudades delas sinto
Pessoas que não conheci
Cada uma sem jeito

Mundo que nunca vi
Faltando todo o ar
Morada de um déjà-vu
Lembrança por acabar

Assim no mundo cai
E vivo assim tão só
Olhando o que perdi
Me atando em nó

sábado, 9 de maio de 2009

Plutão



Alguns dias das nossas vidas são marcantes. Talvez me lembre para sempre de todas as coisas que marcaram esses dias, ou talvez só a sensação.

Um arrepio seco e frio desce pela nuca e se trilha para braços e costas, como uma serpente escamosa por sobre areia quente do deserto... ou um rato à sua garganta.
Como pode uma sensação ser tão abstrata? Não sei. Mas o que sei é que esta abstração provê muitas provas concretas. Concretas como a certeza de se estar a fim de sair nos finais de semana ou não.
Devo estar ficando velho, pois só de pensar em sair para as mesmas situações já sinto o estômago retorcer em reclamação e me ouço agonizar de insatisfação: "Depois eu me pergunto o que estou fazendo lá...".
Talvez esteja em uma fase totalmente diferente do que a vida possa me oferecer, e queira simplesmente ficar na minha, quieto, como quem tristemente viu um gato preto na rua e se assustou, com medo da morte e do azar, e fica pensando sobre a vida e a sorte. Ou alegremente, não sei. E como elas podem ou não ser relativas. Bem... bom, ruim, não faz diferença. Sinto isso quando dói o meu estômago e sei que essa responsabilidade é minha, e que posso escolher melhor a minha situação da próxima vez, seguindo as palavras de um dos caras mais sábios que conheço: "Não entre no mérito da questão, só resolva o problema!"
É melhor ver a graça da sinceridade assertiva, do que a falsa esperança da indecisão sem graça.
A cada dia que passa, as certezas se evidenciam em clarões que iluminam as estradas multifurcadas das escolhas à minha frente. Algumas se mostram com um gato, outras com um clarão dourado, outras vazias, outras com um estômago ulcerado, outras de misturas dessas coisas. E eu sou o tipo de pessoa que não escolhe estradas de tijolinhos dourados só porque é bonita e parece prometer algo interessante, como o seu destino.
Encaro o gato com os olhos cheios, leio seu nome, o Título, e ando em sua direção.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Interprete-à-porter

Com gente conversando,
e sem ninguém pensando.
Andando não tropeçando,
e correndo sem esperar.

Vírgulas do poder,
Frases que podem tudo!

Com gente, conversando.
E sem ninguém, pensando.
Andando, não tropeçando.
E correndo, sem esperar.

Vírgulas, do poder.
Frases, que podem tudo!

terça-feira, 17 de março de 2009

Descrição

Falar com as paredes provavelmente não vai ajudar em nada. Olhar o teto de um quarto qualquer, sem propriamente vê-lo, também não. As pessoas falam e você ouve, ou tenta, mas também é um tanto inútil esse esforço de se manter conectado com a realidade.
Tenta-se deixar os pés no chão, como se isso fosse resolver algum acontecimento que pode ter mudado tudo. As palavras ressoam como se a cabeça fosse vazia, e vão minguando como se se dispersassem em si mesmas. A mente, cheia de nada diferente do que só um pensamento, que mais se assemelha a sentimento do que razão, fica extasiada de um tepidor estranho, anestesiante. Não mais tem o controle sobre o que chega a você. Algumas coisas se passam totalmente em vão e outras em muito mais detalhes do que se imaginava. Os dias se seguem em um contínuo diferente, numa situação ímpar e nova, totalmente abstrata ao conceito de "seguinte".
Tudo é sempre inesperado, uma surpresa. E a previsão pode ficar ofuscada pelo passado recente, que muito é importante para o momento atual. Quando se torna possível, talvez se ouça um tipo de música diferente das folhas das árvores das pessoas. Folhas mais reais, algumas mais secas, e outras mais novas. Muitas folhas e muitas notas. Folhas também de páginas dos livros dessas pessoas, que pouco são lidas ou sequer folheadas. Todos contém mais notas e histórias do que se supõe e ninguém possui um livro vazio. E isso vale a pena também, como o passado recente das folhas, porque um livro vazio só se tem na cabeça quando não se consegue ter a noção no momento em que isso tudo acontece.
Muito é conversado com as pessoas, pouco é concluído. Dificilmente se vê os porquês, ou como aconteceram.
Imagino que há uma semelhança muito grande em dois sentimentos muito diferentes, tão afastados, mas que as vezes podem se entrelaçar, ou jamais se aproximar. Eles podem ser interpretados de várias formas para as pessoas, mas cada um acha as suas palavras para ambos, amor e dor.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Depois das camas

Todos os dias, no mesmo horário, os ônibus começam a circular pela minha rua, o som ao longe de uma sirene toca, e quase ao mesmo tempo alguns pombos fazem barulhos na minha janela. Levanto da cama no horário que preciso em cada dia, e olho para fora, para esta praça tão verde e cheia de vida. Muitos pedestres atravessando-a, pelo simples fato de ser mais agradável do que simplesmente beirá-la por uma das quatro calçadas...
Em alguns momentos, esse conforto de saber exatamente a ordem em que as coisas fora de mim acontecem e quando vão acontecer, é tranquilizador e pacífico, não possibilitando riscos desnecessários ou imprevistos não tão bem-vindos. Tudo parece muito fácil. Como quando a gente mata saudades de alguém muito querido, com quem se dá bem desde sempre e as afinidades nunca cessam.

E dentro vive um sentimento constante de vontade de mudança, por várias razões, de coisas que faço, e de reações que tenho. Algumas insatisfações, muitas cobranças, exigências necessárias para o meu momento. E esse instante é sempre diferente mas, por mais impressionante que isso sempre seja, bom no final das contas. Dessas vontades de mudança eu tento o meu melhor, e consigo muitas coisas, muitas mesmo. Coisas que não imaginaria jamais em querer ter e que acabam acontecendo por si só, como efeito colateral da iniciativa que tive.
Na última vez que me firmei nas opiniões solitárias às quais cheguei, descobri alguns excelentes amigos.
Na última chance que tive de expressar meus sentimentos de gostar e querer bem, de me importar com alguém, ganhei a exclusividade de ficar só.
Na última vez que tentei fazer alguma coisa sem sentido, consegui encontrar respostas às quais não sabia ter perguntas.

Essa mudança toda, essa fluidez da dinâmica da vida, que acontece muito aqui dentro, depende somente de mim, e não tenho intenção de parar. Apenas de continuar com essa metamorfose nos mais diferentes aspectos, quebrando paradigmas e limites, que antes eu achava serem imposições à perfeição. Mas hoje eu sei que o que busco não tem nome, e se alguém achar que tem, está errado. Nem mesmo eu sei o que é. Mas sei que não é perfeição. (Perfeição é sinônimo de não haver defeito, logo, de não haver mudança para aprimorar, o que pra mim é a morte do desafio de viver, eca!)

Todos os dias, no mesmo horário, os ônibus, os sons, os pombos, a praça e as pessoas.

Como é bom olhar pra isso todo dia e ser capaz de ter olhos diferentes para as mesmas coisas, mesmas pessoas, mesmas situações!
Como é bom não esperar a sequência das coisas, nem o tempo delas!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

"Para minha Julieta:

Em solidão mais profunda, encontras a ti mesma, completamente encaixada à multidão de pessoas de cabresto n'alma, fitando o céu, sonhando a terra.
Olhas a estrela que mais chama tua vaga atenção, por o brilho ser maior e porque não gostas de gostar do que gostam, e olhas àquela outra que possui um cintilar de rubro diferente. Surpreende a ti saberes que muita gente isso o faz, e que nem mesmo com a gente infinita há tamanha quantia a tantas estrelas.
Haverá sempre uma estrela para cada um dos teus olhares. Cada maneira de olhar será preenchida. A característica mais realçada dos teus olhos, naquele primeiro momento em que saem do horizonte e percorrem todo o trajeto até encontrar a luz certeira, será guardada na mente pelo coração, com sua valsa, perfume e alegria que por ora desconhecidos pra nós o são.
Talvez se por conseguinte um dia, o dia for feito, este conhecer do um ao outro existirá como em história já se fez.
Até o sagrado instante em que tal guinada ocorrer, para um dos lados, árduos um ao outro, resta às virtudes a espera. Inquieta. Real. Perdida em algum vazio do céu.

Com Amor,
teu Romeu"

-Conto 03 Do livro "O Contador de Histórias"

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ordinário

Retesava o braço direito em direção ao despertador e não o alcançava.
Separado da palma da mão por apenas míseros centímetros inesticáveis, aquele aparelho certamente se classificava como perturbador de um sono profundo. Descanso merecido de um corpo cansado, da mente agitada.
Sentou na beirada esquerda da cama, como quem procura equilíbrio nas coisas, por ser destro. Alongou seu pescoço , rodando-o para um lado, após o outro, algumas vezes. Esticou os membros com força, como um cão se espreguiçando. Renovou suas forças mentalmente, prometendo cumprir mais aquele entre-noites cheio de grandes afazeres e pequenos prazeres. Ao se levantar, perdeu a esperança latejante de dormir mais cinco minutos. Ao banheiro olhou-se no espelho e julgou a aparência da outra face, atrás da parede. Tomou seu banho, vestiu-se e saiu pela porta da frente de sua residência.
À rua fez passos como os de sempre, largos e calmos, com pressa e sem desespero. Foi ao banco pagar algumas contas como luz e telefone... Na fila ligou para sua irmã mais velha, para que ela ligasse de volta para ele, já que não tinha muitos créditos para ficar ligando assim... bateu um papo despretensioso e familiar, combinou um encontro num café no dia seguinte, para matar as saudades. Encaminhou-se ao consultório odontológico onde tinha hora marcada pra dali vinte minutos, e sentou-se para esperar outros quarenta ao chegar. Foi atendido durante trinta. Outros dez para pagar a conta e marcar o retorno com o raio-x panorâmico que foi tirado a seguir. Do laboratório de diagnóstico de imagens diretamente foi ao almoço, ainda num horário cedo, para quem almoça com a família no meio da tarde do final de semana. Lembrou-se de ligar ao amigo que estava preocupado com a namorada, que não andava muito feliz com o relacionamento... Durante o cafezinho após os pratos, telefonou do seu celular, mesmo não tendo muitos créditos afinal, "amigo é pra essas coisas".
Continuou o dia indo ao trabalho, conversando pela necessidade com os colegas de trabalho, e por amizade com alguns deles. Ouviu histórias bizarras, de gente que tinha lido o jornal do dia durante a manhã, naquele horário em que exaustivamente esperava no dentista... Ao fim da jornada de trabalho, avisou o chefe que ia embora e esquivou-se de horas extras, dizendo estar com dor desde a consulta até o momento, e partiu de volta. Durante o ônibus, desligou a mente completamente de sua vida e fez uso dos olhos, que fotografaram cenas de todos os tipos, desde gente correndo pela rua, até uma pequena flor que nascia com esforço por entre o concreto rachado da calçada...
Entrou em casa e foi ao segundo banho do dia, acalmando seu ânimo e lembrando das obrigações do último dia da semana, o seguinte. Comeu um sanduíche de presunto com queijo enquanto programava algumas coisas e voltou ao quarto.
Alcançou o despertador e ajustou para o dia seguinte.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

For the Love of God

O som que se canta não é de todo ouvido
Soa no crânio e se perde em meio ao significado
As letras não mais fazem sentido quando em ondas se propagam

Os graves mais leve ficaram
O agudo não dói aos ouvidos sensíveis
Palavras vazias enchem-se de sons ao sair da boca e se esvaziam num ouvido

Barulho
Apenas ruído
Somente um esforço perdido
Somente
Som

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O básico do meu Português

O verbo reage intenção em feito. Assim espero o despertar, o desabrochar, o avivar da alma. Não somente minha, mas concomitantemente tua. Para que produzas novos verbos, já existentes ou não. Uma provocação a te tirar do enclaustro de timidez, de paredes cinzas e de puro consentimento, sem sentimento.
O adjetivo explica. E isso quero quando escreveres. Quero que escrevas nem que seja num cantinho de guardanapo as palavras que definem, colorem, trazem graça ao teu substantivo.
Ah, e esse sujeito... escolhas um! Pois tantos são e tão poucos querem ser sãos! Há de verbos derrotarem-se pelo "quando", "como", e "quanto".
O substantivo, velho, está perdendo...

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Quer saber?

O que une o Ying e o Yang? Naquela linha tênue entre um e outro? Em outras palavras, o que separa um do outro?
E o "talvez" é realmente o meio termo entre o sim e o não? Ou seria um "sim e não"? O que distingue essas idéias? Ou ainda, o que as torna juntas pelo oposição?
Qual é a luminosidade entre a sombra e o sol? A penumbra? Mas e naquele limitezinho, entre o final dela e o sol, que mora ali? Cinza? Preto? Branco? Como estas se geram, a sombra ao sol, ou o sol à sombra?
E entre passado e futuro, existe mesmo um presente? Que é tão rápido que não podemos demarcá-lo? Nem nunca dizermos que é no momento que ocorre? Porque, se é o presente?
A nossa existência será que divide o que? A Grande Expansão da Grande Contração do Universo? O segundo do quarto planetas? O céu do Inferno? A vida da morte? O desconhecimento da fama? A ignorância da sabedoria?
E o que veio antes do Big Bang? De onde veio aquele ponto hipercondensado de matéria?
E Deus, o que é? E veio de onde?
Parafraseando Saramago: "Ninguém percebe que matar em nome de Deus é torná-lo um assassino?"
Quais coisas estão ao nosso redor que não temos a capacidade de perceber?
Que pessoas cuidam de nós que não sabemos?
Que animais não conhecemos?
Quais segredos se perderam pela eternidade?
Quanto tempo levou pro primeiro relógio ser construído?
O que seria um paradoxo se paradoxos não existissem?
Que ponto no céu mostra o que procuramos?
Onde mora a imaginação no cérebro?
Porque "ser ou não ser"? Não podia "ser e não ser"?
Quer saber?

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Pedra oca

Inóspito palácio
Bravio vestíbulo
Etéreo lufar
Permeável afeto

Torso esticado
Apêndices recolhidos
Mente fugaz
Inseparável verídico

Sol desordenado
Adentra convívio
Claustro sádico
Inquieta fechar

Exaspero acalmante
Tepidez avivante
Transpor heróico
Safira virente

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Que tal?

- Ei! Vamos andar pelas ruas da cidade, sem dinheiro nem documento, apenas as chaves de casa?
- Siiim! Vamos!

Assim andaram e usufruíram do melhor que o mundo pôde trazer. Fizeram coisas que quase ninguém fazia todos os dias.
Ajudaram ao cego a atravessar a rua.
Carregaram sacolas para velhinhas que por si só não sabiam como carregavam.
Levantaram a vassoura do gari que a deixou cair.
Assistiram com atenção ao senhor que falava sozinho, pra todos.
Pequenas coisas a serem feitas, grandes ao serem executadas.
Até aqui foram as menores, pois outras inenarráveis conseguiram.
Ao fim de um dia, como se a igreja lhes coubessem, absolveram-se de todos os pecados que jamais proferiram.
A chave abrindo a porta de entrada, fechando um dia tão bom quanto chegar em casa.

Satisfação? Orgulho? Não. Cumprimento de um dever esquecido por todos.

Sabe a sensação...

de olhar pra qualquer coisa, depois do sol?

Contornos não
Manchas sim
Imagem incerta
Borrão
Avidez cegada

de cheirar uma flor, com o nariz ainda impregnado com perfume?

Monotonia presente
Dulçor ausente
Essência estranha
Neutro.
Anseio negado

de conversar com o você do espelho?

Imagem assistente
Imprevisto invisível
Situação ordinária
Tolo
Abraço impossível

de pegar uma antiga carta de amor?

Carinho terno
Calor esfriado
Presente passado
Lição
Maturidade insensata

sabe?

Momento íntegro
Carência faltante
Afago paciente
Conversa
Delicadeza sólida

e também...

sabor formoso
redondo difuso
água límpida
apetite
equilíbrio insaciável