terça-feira, 30 de junho de 2009

Sonhos

O que querem dizer? O que são?




Será que são pistas deixadas pela noite, para que cheguemos novamente ao sol?
Nos enfiamos debaixo do lençol e logo nos perdemos em meio à cama, que não precisa ser tão grande, procurando de uma certa forma a saída de lá. Mesmo que o sonho seja tudo o que sempre se quis, nos agarramos à realidade do dia, cravando ao máximo as unhas em desespero para o que estamos acostumados a chamar de vida. Mas logo, bem logo, sabemos que vamos acordar e voltar à essa continuação que estamos agora. E com isso a noite nos guia ao passo subsequente, ao mesmo estado do antes-de-dormir, ao próximo dia. Como um círculo de metades dia/noite.
Será mesmo só uma transição? Sem significado? Então porque está lá? Porque ocorre?

Talvez seja magia, que nos leva da escuridão à luz em segundos! Ou ao contrário, se for pesadelo!
Isso! Então não é só uma passagem, é uma forma de nos resgatarmos do desgaste do nosso dia, tranquilizando-nos dos problemas e preocupações rotineiras e dando asas à criatividade, à imaginação, ao alcance ao irreal. Podemos fazer coisas que dificilmente conseguiríamos, dentro das possibilidades do estado acordado, e raramente teríamos diante da própria escolha. Assim conseguimos mais ânimo para enfrentar novas situações e outras que se repetem. Como uma renovação do estado de equilíbrio de nós mesmos. Já reparou como ficamos diferentes sem o sonho? É, deve ser algum tipo de magia para controlar os excessos do dia... como um pesadelo que nos lembra que a vida exige um equilíbrio, nos tirando da excitação pura da felicidade quando menos esperamos e puxando o pé de volta ao chão.
Mas um neutralizador de excessos... só isso? Porque às vezes então, temos aquele sonho tão real sem as produções da nossa fantasia, sem coisas malucas? Será somente para nos equalizar?

Quem sabe não é aquela nossa vida e esse aqui o nosso sonho?
Se fosse assim, viveríamos em um mundo colorido/sem cor, com gente/coisas, que falam/fazem todas as possibilidades. E sim, possibilidades gerais, sem restrições da matéria, dos entes, situações, contextos, sons, sensações... Seria diferente, sem dúvida, mas aí teríamos o mesmo valor de bom/ruim? Olharíamos para o lado de cá com que expectativas? Pensaríamos talvez que isso aqui é como quando pensamos em uma situação hipotética, cheia de regrinhas do que pode e do que não pode, levados por paradigmas sociais e repressões próprias, sem necessariamente um objetivo que vá fazer diferença... como um jogo, no qual o objetivo é correr até o campo inimigo e pegar a bandeirinha... ninguém quer perder, claro, e vai se achar não-esperto se for pego por distração. Existem regras para atingir o objetivo, sem as quais ficaria tudo muito mais fácil, e depois que se ganha, é pensado: Ganhei! (e agora? o que que mudou?) Talvez pensássemos que não faria sentido algum "ganhar" porque afinal, o tempo não existe, necessariamente, lá.
O lado de cá ficaria como uma brincadeira, enquanto que para nós, do agora, o lado de lá é uma coisa realmente muito ampla, tão ampla que foge da nossa capacidade de entender, compreender, classificar, rotular, limitar, enxergar.
Mas se o que vivemos aqui e agora é um sonho, porque não podemos saber? Porque nossas realidades se fundem dessa forma, tão desconhecida?

Acho que os sonhos são misturas de todas essas coisas. Não importa qual é a verdade ou qual está em função de qual. Ambas existem e são mágicas, ligando uma à outra e trazendo o significado da complementação. Se fecham uma à outra como se fossem uma esfera, e não um círculo, porque em duas dimensões, só se percorre para um lado ou para o outro, enquanto que nessas duas coisas, pode-se andar pra qualquer direção e chegará ao outro, inevitavelmente. E também sonhamos partes do dia como partes do dia, ao invés de transformá-las em sonhos e fazer fantasias. Assim como lembramos do sonho durante o dia e sabemos que às vezes são o que foram enquanto dormíamos, sem essa obrigação de precisar mudar alguma coisa aqui.

O sentir nos traz muitas razões e o pensar é mesmo fantástico!

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O despertar



Era jovem, vigoroso e tranquilo. E viajava muito pelas estradas solitárias que a vida lhe trazia. Às vezes encontrava pequenas vilas onde comerciantes se reuniam e faziam de um pobre grupo de moradores, com suas casas precárias, em paredes sujas e mal-acabadas, um pouco menos miseráveis e tristes.

Era uma tarde de sol brando, daquelas em que os olhos parecem embaçados, com cores vivas e pequenos insetos que ao longe completavam os campos de trigo dourado, após um leve chuvisco de alívio ao abafo quente de alguém que por muito já andara. Ao desvirar a cabeça de tal cena, observou uma cidadela à frente da trilha em campo aberto, e imediatamente ao lado uma daquelas reuniões de mercadores, organizados em um vilarejo. Aproximando-se como que por impulso próprio dos pés, suas pernas o guiaram diante do pseudo-portal, feito de uma parede outrora vertical e um tronco de árvore larga que crescera à sombra da cidadela.

Ao entrar, viu todo tipo de produtos imagináveis e alguns suspeitos de serem possíveis. Peles de raposa-vermelha, vasos de cerâmica, peixes, flores, sementes, garrafas, tecidos coloridos, temperos olorosos,... conhecia muito de todas aquelas coisas. Todos ali pareciam pertencer àquele lugar, como se tivessem brotado daquele chão. O lugar tinha um cheiro predominante de terra molhada, mas morno ao mesmo tempo. Uns garotos correndo com pedras na mão, um velho de cabelos compridos grisalhos com feições de ancião, mulheres com potes de água na cabeça conversando. Vestimentas tristonhas e gente pouco colorida, em contraste com as mercadorias de aparência e essência viva. O caminho se estendia por ruelas sinuosas que não davam o privilégio da pré-visão, e davam a sensação de que acabariam em um beco-sem-saída assim que houvesse a próxima curva, o que se constatava falso por outro corredor.

Subitamente, um corredor mais largo o surpreendeu, e alcançara o lugar onde os maiores vendedores de flores se reuniam pela rua ser mais larga, e por ser possível deixar as carriolas de mão de flores às laterais enquanto os transeuntes perambulavam neste novo corredor cercado de flores das mais variadas cores, tamanhos, cheiros, utilidades.

Neste instante que percebeu que ali o sol invadia, justamente por o corredor ser mais largo, e que haviam cabelos dourados brilhando naquele exato ângulo entre seus olhos e o sol. Ao passar, não conseguiu desviar os olhos atentos àquela sensação quase que transpirante de entusiasmo surpreendente e apressada. Só conseguiu perceber que havia o volume de outras pessoas ao redor daquela banqueta onde aquele rosto tão delicado, de perfil tão doce repousava. Ela estava de olhos fechados, leve. Parecia cansada, mas tinha um ar sereno, diferente. As pessoas ao redor deram sutis dicas com seus incertos volumes, que eram familiares próximos, como a mãe e talvez avó e uma tia-avó. Estas pareciam, ao canto dos olhos, conversar entre elas. Aquela dos brilhos do sol estava com seu queixo suavemente apoiado sobre um dos braços, que estava, por sua vez, sobre a mesa. Olhos fechados, como se estivessem para se abrir ao pouso de uma borboleta, mas que não se abriam nem por tanta farra dos que passavam.

Quando não mais alcançava aquela imagem, resolveu voltar-se inteiramente a saber algo sobre ela. Arrumou um bom pretexto para retornar por onde viera e assim o fez. Ao finalmente saciar aos olhos com aquela mesma imagem, sentiu algo inesperado, como se percebesse ter sido notado, mesmo que os olhos permanecessem ainda fechados. Notou que não mais seus pés sentiam o peso do corpo, como se não tocasse o chão. Suas forças pareciam ter sido juntadas com a de mil milhões de gigantes das colinas e voltou a sentir aquele morno inquieto dentro de todos os ossos.

Lembrou daquele enigma que não resolvera, que o fez desistir de tudo o que acreditara outrora, e simplesmente soube a solução. Voltou a crer nas ações e nas palavras dos sábios, e assim sentiu aquele reequilíbrio interno, aquela paz. Continuou olhando, e dessa vez teve a certeza de que não queria acordar a donzela, que isso se deveria acontecer se ela o fizesse crer que a ele cabia a unicidade de despertá-la. E isso ainda enquanto dormia, como que por um encanto de Orfeu, inquebrável por qualquer magia.

Prometeu a si mesmo que por ali passaria novamente, sem nem ao menos desconfiar da razão da promessa, mas com uma confiança sólida nessa sensação. E assim o fez.

Voltou ao portal da rua, abriu as até agora ocultas asas, como se estivessem doloridas por estarem sempre retraídas e escondidas sob as vestes, ajoelhou-se cabisbaixo de um sentimento esclarecedor e derramou uma lágrima vermelha ao solo.

Neste exato local onde caiu a gota, em outra estação, nasceu uma flor.



-Conto 02 Do livro "O Contador de Histórias"

sábado, 13 de junho de 2009

Conjunto nulo

Dias que não vivi
Doídos sinto ao leito
Textos que não escrevi
Encanto feito desfeito

Palavras que não ouvi
Saudades delas sinto
Pessoas que não conheci
Cada uma sem jeito

Mundo que nunca vi
Faltando todo o ar
Morada de um déjà-vu
Lembrança por acabar

Assim no mundo cai
E vivo assim tão só
Olhando o que perdi
Me atando em nó