segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Conto 08

O fruto daquela árvore agora jaz ao chão.

Há apenas minutos atrás esse fruto pendia ainda brilhoso na ponta mais saliente do galho principal ostentando um orgulho rubro e sadio, que transparecia o crescer da própria árvore.
Crescera despretensiosamente, no ritmo calmo com que as nuvens passam ao céu. Fortalecera-se ao sol e vento que bateram aos seus contornos... Subira à maioridade pela maturidade do desenvolver do galho. E esse galho não era de uma só planta.

Ao início eram duas sementes. Uma aqui, outra logo ali. Eram um pedacinho daquelas outras duas árvores um pouco mais separadas pelo gramado da vida. Uma de flores violetas douradas, outra de flores brancas prateadas. Cada semente viera de cada um daqueles seres, e depositaram-se ao comum interesse do solo fértil. E muito próximas germinaram sem competir, com raízes que se enterraram entrelaçadas para buscar sustento e a outra parte delas se espalharam ao solo divergindo à outra germinação, para não tirar os nutrientes do solo de sua parceira.

Acima da terra criaram juntas um único caule firme, pois apesar de buscarem o sol, assim se uniram, enroladas, para se apoiarem. Afinal, sozinhos dobramos mais facilmente ao vento.
As primeiras folhas nasceram, que alegria! E começaram a gozar do alimento daquela união... E saciaram juntas as suas fomes e vontades de crescer, ainda tendo total compreensão de que sua existência naquele momento se fizera mais forte por causa da outra. E uma à outra apoiada, resistiram às intempéries. Estavam vivas juntas.

Atingiram uma fase de estabilidade vital na qual lutar pela sobrevivência naquele mutualismo não era mais preocupante, haviam outras questões mais importantes! E começaram a germinar pequenas e delicadas flores, com as duas cores, violetas douradas e brancas prateadas, como se fossem uma planta só. Espalhavam-se ao longo de toda enorme copa e forraram todo o contorno.
E com elas atraíram magníficos seres alados ainda virgens que de várias de suas flores se alimentaram, trocando sutilmente o seus íntimos pólens.

Ao passar de pouco tempo o primeiro e uno fruto começou a se desenvolver no galho pivô desse quase-um ser. E carnudo e suculento se tornou. Era a aceitação mútua de ambas plantas pela outra. A instância máxima que se permitia naquele ciclo. Era o que geravam juntas com todas as suas forças naturais e espontâneas.

Muito surpreendeu esse fruto ao subitamente fraquejar. Uma das duas plantas alcançara com sua raiz algo profundo ao chão, depressivo e destrutivo, e adoeceu. Não pudera fazer muito mais pelo fruto, vez que sua vontade se voltara às raízes. A outra porém, sabia que o fruto fora gerado e cuidado por ambas e que como resultado de um esforço conjunto, não haveria sentido cuidar sozinha agora. Deixou que a adoecida planta soltasse o fruto ao chão, na tentativa de possibilitar a recuperação da outrora vitalidade da qual prezava.

O fruto daquela árvore agora jaz ao chão.


Quem sabe o que poderia acontecer a esse fruto? Quem sabe talvez, esse fruto se desfizesse e revelasse uma forte e sadia semente? Ou quem sabe se uma chuva de verão não lavasse esse fruto embora? Ou ainda se não houvesse semente nenhuma dentro do fruto?
...
Essas respostas não devemos querer saber, devemos ver com o tempo inesperado.



- Do livro "O Contador de Histórias"

Um comentário:

Rubia disse...

Vitor, fiquei sem palavras para comentar esse conto. Acho que tem a ver com a capacidade que vc demonstrou em verbalizar seus sentimentos. Gostei demais. Beijo.